Retroagindo-se
em relação à dependência química
No passado, o dependente químico era tido como um
doente mental, portanto, ele era internado em manicômio e ficava por anos e
anos. Com o avanço da medicina e o conhecimento nesta área, chegou-se a conclusão que o dependente químico
é possuidor de uma doença bio-psico-social e que seu tratamento se dá através
da psicologia e não necessariamente, por um psiquiatra, há não ser em
determinados casos que o dependente também possui uma doença psiquiátrica que
se desenvolveu através da drogadição. Mas, mesmo nestes casos, o tratamento não
se dá por internação ambulatorial, mas, domiciliar, somente, havendo
necessidade de internação em casos gravíssimos mentais.
Pois bem, quando também se chegou a conclusão que a
dependência química não é uma doença mental, se criou um mito que o dependente
químico é uma pessoa desajustada e sem caráter – um vagabundo. Infelizmente,
este mito ainda perdura em grande parte da sociedade que não consegue aceitar
ou assimilou que a dependência química é uma doença e deve ser tratada como
tal.
Outro fato também que ocorreu, foi conceituar o
dependente químico como um problema de segurança pública. Ou seja, o dependente
ou usuário que portava drogas para seu uso era preso e cumpria uma sentença
fechada, porém, era um crime afiançável. Após, muitas discussões houve mudança
da Lei Sobre Drogas e hoje portar drogas para uso continua sendo crime, mas o
usuário, não cumpre o regime fechado e nem é necessário fiança. Ele é obrigado
a participar de algum programa de tratamento.
Durante estes últimos 20, 30 anos houve um grande
avanço em relação ao conceito de dependência química. Avanço na área de
ciências biológicas e de saúde; avanço filosófico em relação ao uso de drogas e
o dependente. Está se criando o conceito que o dependente não é caso de
segurança pública, mas sim de saúde pública. No entanto, o avanço que não surge
é na capacidade do Estado oferecer tratamento adequado para os portadores da
dependência. por ser um tratamento complexo; pela necessidade de haver
políticas públicas nesta área que exige uma estrutura enorme de profissionais
capacitados e por fim, por exigir a disponibilidade de grandes recursos
financeiros e ser um trabalho de resultados em longo prazo.
No entanto, vemos todo estes avanços se retroagirem,
ou seja, o dependente químico, novamente passa a ser tratado como doente mental
por pessoas que nem da área médica é. Isto é, para limpar as cidades,
preocupados com as desvalorizações de certas áreas venais em regiões nobres das
grandes metrópoles, políticos e outras autoridades resolvem prender (internar)
dependentes químicos como se fossem doentes mentais.
Na falta obtenção de resultados; devido o
crescimento de portadores desta doença e pela vergonha de não investirem na
saúde pública. Por não investiram no tratamento desta doença (dependência
química) estão querendo segregar os dependentes químicos confinando-os em
instituições que se sabe lá como se dará o tratamento. Até porque o tratamento
não haverá, pois ninguém se cura ou se trata daquilo que não quer.
Com mais de 12 anos na área de tratamento é notório
que não há como se tratar um dependente químico contra a vontade dele. Não há
como trabalhar o emocional, o psicológico de um dependente químico ou de
qualquer pessoa sem a sua vontade. Pensar nesta possibilidade é ser mais insano
que o próprio dependente.
Quando vejo este tipo de medida tomada, ou seja
internar compulsoriamente, involuntariamente um dependente, me faz pensar que
não é somente, a família que está coodependente, mas sim, a sociedade. Ou me
faz pensar que autoridades políticas –não médicas – estão aproveitando esta
coodependencia para tomar medidas que não tem nada haver com o problema saúde,
mas sim, promover alguns interesses escusos.
Ataíde Lemos
Escritor & Poeta
Ataíde, estou, neste momento, emocionada com seu artigo. Sou dependente química em tratamento. Tenho graduação e pós-graduação. Venho de uma família de classe média alta e com alto nível de instrução (estou contextualizando para entendermos que todos estamos sujeitos ao que passei.) Usei cocaína de forma abusiva por três anos. Percebi que havia perdido o controle e me abri com meu pai e minhas duas irmãs. Sem conhecer nada do assunto, pedi que me ajudassem a encontrar uma clínica particular para uma internação voluntária custeada com meus recursos. Rapidamente com uma pesquisa na internet, escolhemos algumas clínicas, fizemos contato e decidi para qual iria. Eu arrumei minha mala, meus pertences e comprei uma ou outra coisa que a lista do enxoval pedia. Tomei um banho, me perfumei e embarquei no carro de meu pai que me levaria ao destino. Chegamos, assinamos alguns papéis, me despedi e meu pai, uma amiga que é uma mãe para mim e meu namorado foram embora. Achei que estava cumprindo meu papel ao procurar um local que cuidasse de mim. Para encurtar, no segundo dia de internação apanhei de vassoura de uma interna incentivada pela "coordenadora disciplinar", roubaram todo meu material de higiene pessoal e o que ouvi é que "era assim mesmo". Dormia num quarto com cinco mulheres entre drogatictas, esquizofrênica, uma velhinha abandonada pela família naquele lugar de horror, onde não circulava ar e a maioria das mulheres que habitavam meu quarto e o restante, urinavam e defecavam à noite, deixando o ar insalubre. O dono da clínica convenceu meu pai a passar minha internação de voluntária para involuntária, fiquei presa e minha família não acreditava nas coisas que eu contava pois os donos da clínica fizeram uma lavagem cerebral na cabeça de minha família dizendo que a dependencia era desvio de caráter, que eu mentia, manipulava para sair de lá e continuar o uso. Perdi minha autonomia, comia praticamente uma lavagem, fui assediada sexualmente pelo proprietário e o pai dele, sofri assédio moral, tortura física, trabalho forçado que quase me aleijou, e vi absurdos, um holocausto. Convenceram meu pai a me deixar lá seis meses. Não sei como não enlouqueci. Então, famílias, muito cuidado com internação. Vi meninas chegando lá normais e saindo lesadas de remédio. Quando saí, assim que retomei minhas forças fui pesquisar sobre essas internações, busquei relatórios da promotoria da União, da Secretaria de Direitos Humanos e os maus tratos, tortura, negligência são quase unanimidade. Faço questão de deixar o nome da clínica que fui presa: Clínica Feminina Minas Gerais, na cidade de Juatuba, MG. Site: http://clinicafemininarecuperacao.com.br/. Endereço: Av. Jucelino Kubitscheck, 475 - Jardim Leme, Juatuba - MG, 35675-000
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